
Quem trabalha com escrita de conteúdo sabe que, eventualmente, aparecem contratantes e projetos com uma exigência muito falada, mas pouco compreendida: “Escrita criativa”.
Escrita criativa: será preciso ser um novo James Joyce, nesse caso? Ser criativo é mudar o significado das palavras? Mas afinal, toda a forma de escrita não é criativa?
É, em termos... Há diversas formas de se falar sobre algo, e essas formas podem trazer objetivos específicos, em relação ao leitor, e ao que se espera que ele faça com as informações trazidas pelo texto.
E aqui estou sendo bem tradicional, em relação à Análise do Discurso: é o “Esquema de Jakobson”, só pra ilustrar mesmo.

Porém, o primeiro ponto é o texto: existe alguma escrita que não seja criativa? De bate-pronto, posso dizer que sim.
De modo geral, temos duas formas de escrita. Uma é a escrita técnica. E essa todos que fazem algum curso, a partir do nível técnico conhecem, minimamente.
É a escrita de TCC, de dissertações, de pesquisas (ainda que haja alguns bravos da academia, que ousam enfrentar o status quo, com escritas mais pessoais, intimistas, literárias...), mas também de manuais, bulas de remédio, informes e afins.
Já a segunda é a escrita criativa. E ela é o quê? Todos os outros gêneros? Apenas gêneros literários? Apenas gêneros em primeira pessoa?
Afinal, o que é escrita criativa?
Criatividade: novas formas de ver as coisas de sempre
Quando pensamos em criatividade, a ideia por trás do termo é “inovar”. Mas nem sempre é preciso “inovar totalmente”. Na maior parte dos casos, inclusive, a criatividade deve ser a partir de um limite. Não se trata de reinventar a língua, mas usar a linguagem que existe, de forma original.
O conceito de “ser criativo” é justamente o de inovar, dentro de uma forma tradicional. E isso é muito da essência da escrita criativa em redação de conteúdo.
O exemplo mais evidente é a Literatura. Nos gêneros literários, a escrita criativa é, ao mesmo tempo, fácil e difícil. Milan Kundera, em A Cortina fala que um músico que sabe executar as obras de Beethoven é considerado um grande músico; já o compositor que compõem igual a Beethoven é só considerado um músico aceitável. Por que disso?
Porque o ponto é justamente esse: criar algo diferente, a partir daquilo que já existe. E em Literatura, isso é uma questão central. Um bom escritor deve escrever de uma forma nova, mesmo que não use uma estrutura nova. É difícil de fazer: inovar não é simples – ainda mais no século 21, quando parece que tudo já foi feito e dito.
Mas temos autores bons nesse sentido. A Annie Ernaux, a Elena Ferrante e a Elvira Vigna são três autoras que fazem isso bem.
E quanto aos gêneros não-literários? Como usar a escrita criativa em um texto como esse – um artigo sobre escrita criativa?
Escrita técnica: por que você não pode ser criativo
Melhor do que falar sobre escrita criativa em textos não-literários de formato mais “aberto”, vamos pensar pela oposição. Dá pra usarmos escrita criativa em textos técnicos?
Todo mundo já leu manuais de instruções, bulas de remédios e demais textos técnicos: por que eles não podem ser (muito) criativos? O que você espera encontrar em um texto dessa natureza?
Nesses textos, existe um intuito bem claro: informar sobre algo, objetivamente. Divulgar pesquisas, orientar o uso de aparelhos ou fórmulas, normatizar condutas. Não se trata de um texto pensado para motivar, para vencer a “confabulação da vida” (aqui, pensando um termo de Bakhtin).

Nesses gêneros, o mais importante é a mensagem e a resposta que ele gera: uma ação objetiva, uma comunicação básica, uma informação direta.
Por exemplo, em uma bula de paracetamol: você precisa informar o que o remédio faz, como ele deve ser administrado, quem deve e não deve usar, quando, por quanto tempo…
É diferente de um artigo, que se propõe a debater ideias e, quem sabe, inspirar novas perspectivas sobre um tema.
Um texto técnico não quer que você tenha dúvidas. Um texto de um gênero mais narrativo ou dissertativo quer.
Um texto técnico não deve deixar dúvidas. Vamos pensar em um exemplo aleatório, um manual de instruções:
“O que fazer se meu aparelho não funcionar? 1. Verifique se o fio está conectado à tomada. 2. Verifique se a trava de segurança está solta...”.
É diferente de um texto cujo objetivo é despertar reflexões. E nesse caso, até mesmo uma notícia de jornal traz certa criatividade: afinal, há uma enorme diferença entre você chamar alguém de “Suspeito” ou “Meliante”, no caso de uma notícia sobre um crime, num exemplo mais conhecido, para quem trabalha com leitura em sala de aula.
A criatividade a serviço da mensagem
O ponto é: a escrita criativa é aquela que trabalha as palavras com originalidade, ou pelo menos, com o objetivo de fazer o leitor pensar e sobre o que está lendo, e enfim, ter reações a essa leitura.
Esse artigo pode ser um exemplo disso. Aqui, estou sendo criativo por alguns motivos.
O principal é que esse texto não é técnico. Não é puramente técnico, digamos assim. Eu até quero passar uma instrução. Mas quero fazer de uma maneira cativante, para você, leitor. Mais do que isso, quero trazer ideias que façam você pensar autonomamente.
Além disso, espero que você traga ideias pessoais, mesmo que elas divirjam das minhas, a fim de que possamos debater os pontos aqui levantados.
Logo, preciso criar uma sensação de intimidade, e passar um tom mais bem-humorado. Preciso fazer com que você queira ler o texto até o fim. Para isso, preciso ser criativo, preciso falar minhas ideias de modo a torna-las interessante para sua vida, como leitor e/ou redator. Para falar de escrita criativa, preciso ser original, na minha abordagem sobre ideias mais tradicionais.
Logo, como uma primeira conclusão, podemos pensar dessa forma. Escrever com criatividade é isso: imprimir uma personalidade no texto, para expressar uma ideia de maneira instigantes, possivelmente cativante e envolvente, a fim de atrair reações diversas, por parte do leitor.